As 4 Eras do SaaS (A Era do puro valor)
“O SaaS está morrendo e ninguém está falando sobre isso”
Greg Isenberg
Com essa frase começou o post feito por Greg Isenberg, no qual afirma que modelo de SaaS como conhecemos está morrendo, e ninguém está falando sobre o assunto.
Esse post teve +1 milhão de visualizações, e centenas de comentários.
No artigo de hoje, portanto, vou usar essa thread como base para a discussão sobre o tema, e como fundamentação para o conteúdo.
Voltando ao post, ele foi insprado na mudança de precificação do Zapier, que mudou seu modelo de negócio de assinatura de subscription para pay-per-task. Ou seja, o pagamento do produto se dá pelo que o usuário usou, e não mais pela assinatura.
O post teve 1m de visualizações.
Além do Zapier, outras empresas estão movendo alguns produtos para esse modelo, como fez a famosa Startup Intercom, que teve um de seus produtos de AI migrados para o modelo de pay-per-use.
E o mais curioso são as respostas que seguem a thread.
Posts como esse estão cada vez mais comuns na Comunidade Indie Hacker internacional. O sentimento geral é de que os Indie Hackers estão saturados dos modelos de assinatura. Vamos explorar um pouco isso.
Saturação do modelo de assinatura
Este assunto não é novo.
Já é algo que vimos várias vezes, principalmente quando começamos a ter centenas de fornecedores parecidos os quais temos que pagar para ter acesso a determinadas ferramentas, como, por exemplo, assinaturas de streaming, a exemplo: Netflix, Disney, HBO, e assim por diante.
É compreensível que as pessoas estejam cada vez mais cansadas de pagar recorrentemente por um produto ou serviço. Ninguém gosta de comprometer uma parte do orçamento com um custo fixo recorrente.
Outro fator importante de destacar é que o Ecossistema Indie Hacker já existe há muitos anos. Então, os membros estão vendendo assinaturas de Micro-SaaS há quase uma década. É comum que as pessoas estejam cansadas de pagar de modo recorrente por uma solução, sendo que no dia seguinte acabam por nascer várias parecidas e/ou melhores, forçando uma migração de ferramenta.
Para entender melhor o momento do mercado, vou usar para discussão um post do Patrick Campbell (PC) sobre o momento do mercado de SaaS.
As 4 eras do SaaS
O mundo das assinaturas online vem mudando muito com o passar dos anos e com a evolução da tecnologia.
O mercado de games, por exemplo, mudou o modelo de assinatura há um bom tempo, quando começou a cobrar por microtransações dentro dos jogos.
Essas microtransações apareceram por volta de 2005, através do Elder Scroll IV (MMROPG online), e quem trouxe peso para esse modelo foi a Eletronic Arts, no jogo The Sims 2.
Isso aconteceu quando entenderam que os clientes não queriam pagar de forma recorrente pelos jogos, afinal, imagine ter que pagar por 20 jogos uma assinatura para jogar, além de pagar a própria assinatura do console para ter acesso aos jogos online?
Assim, o modelo de microtransações provou-se extremamente eficaz e, de certa forma, trouxe uma previsibilidade de faturamento. Quanto mais as pessoas jogavam, mais compravam produtos dentro dos jogos. Essa mudança foi revolucionária e mudou completamente o modo como as grandes empresas operam. Inclusive, foi por causa desse modelo que a Steam, por exemplo, virou a empresa que conhecemos atualmente.
De volta ao SaaS
De acordo com Patrick Campbell, fundador da Profitwell e um dos maiores especialistas em estratégias de pricing:
“Value based pricing that aligns incentives with business model has always been the goal, because that’s the beauty of a recurring revenue model. It’s the first model in the history of commerce that bakes the relationship with the customer directly into how you make money.”
Basicamente, se o cliente enxergar valor no produto/serviço, continuará pagando e consumindo. Se ele não enxergar valor, vai embora. A equação é simples.
Quando você passa a cobrar de forma recorrente, você constrói uma relação com o cliente na qual ele passa a pagar por aquele serviço todo mês. É ótimo para a companhia e é ótimo para o cliente, que tem previsibilidade do custo vs retorno daquela solução para o seu dia a dia.
É claro que cobrar de forma recorrente acaba sendo bom quando a proposta de valor é clara. Os clientes conseguem sempre transformar esse investimento em um retorno maior para si, seja de tempo, dinheiro ou simplesmente lazer.
Ainda seguindo a linha de raciocínio de Patrick Campbell (PC), ele traz uma visão de como o SaaS veio evoluindo nos últimos anos:
Fase 1: “charge per user” (cobrar por uso)
Há alguns bons anos, quando os SaaS começaram a surgir, tinham um modelo terrível de faturamento. Como a tecnologia não era muito avançada, tornava-se complicado medir o uso ou o consumo do produto, e até mesmo plugar com um gateway de pagamento era algo quase impossível.
As cobranças precisavam ser realizadas por fatura, e os clientes odiavam o modelo de receita recorrente, porque, na visão deles, estavam adquirindo um software (antigo 💿/💾 lembra?) semelhante a uma licença perpétua – então, por que pagar recorrentemente?
Fase 2: “we can measure value” (podemos medir o valor gerado)
Com o avanço das tecnologias, os softwares começaram a ter mais previsibilidade, ou seja, passou-se a ser possível medir quantos emails eram enviados, quantos contatos existiam em um banco de dados, ou quantos gigas de vídeo eram armazenados. Essas informações eram atualizadas em tempo real, e permitiam às empresas terem um modelo de faturamento mais preciso.
Mas, veja, poucas empresas mudaram para esse modelo de cobrança pelo valor gerado. Por que? Culturalmente, as empresas já estavam habituadas a pagar recorrentemente pelo software por vários anos. Então, por que raios deixariam de pagar recorrente pelo uso ilimitado, para pagar conforme o uso?
Indo além… como os clientes poderiam prever custos financeiros se eles não sabiam quanto iriam usar o SaaS?
O que algumas empresas fizeram foi “agrupar o uso” para poder continuar cobrando de forma recorrente. Por exemplo, se há o disparo de até 1.000 emails por mês, o custo é de R$ 100 por mês, se há o disparo de até 2.500 emails por mês, o custo é de R$ 200 por mês, e assim por diante.
Os clientes ainda continuam com sua previsibilidade, mas, agora, tem mais “tiers” disponíveis para escolher qual faz mais sentido. Dessa forma, as empresas continuam com a cobrança recorrente, e os clientes com a previsibilidade. E o mais legal de tudo é que, com os novos preços, os clientes têm as possibilidade de fazer upgrade nos pacotes e, consecutivamente, as empresas podem ter uma expansão de receita.
Abrindo um rápido parenteses aqui, esse modelo de cobrança conforme o valor gerado, o que é conhecido como Value Metric, é muito importante para os empreendedores de SaaS. Falo bastante disso no material da Comunidade Privada, e você pode aprender um pouco sobre isso com a análise prática que fiz de 2 projetos da Comunidade.
O lado negativo desse novo modelo é que alguns clientes começaram a pagar recorrentemente por algo que deveria ser gratuito, e outros clientes que não usam o pacote total pagam o preço cheio. Isso levou à fase 3 dos SaaS.
Fase 3 – “unpredictable billing” (cobrança imprevisível)
Com o tempo e o surgimento de diversos “tiers” de preços, os clientes acabaram se acostumando e entendendo que nem todas as faturas seriam as mesmas, todos os meses.
Com o surgimento de novos sistemas como AWS, principalmente produtos de engenharia, os clientes foram percebendo que os custos eram imprevisíveis, mas, extremamente necessários. No fim do dia, queriam pagar pelo que usavam, e de forma previsível.
O desafio com esse novo modelo que permite adicionar novas camadas de cobrança recorrente (por exemplo, R$ 10 por mês por 100 novos contatos a mais, ou R$ 40 por mês por mais 10 usuários) é que as empresas começaram a reclamar que os preços estavam saindo do controle.
A falta de previsibilidade voltou a se tornar um desafio para muitas empresas e, de acordo com PC, isso aconteceu principalmente porque empresas ruins não dão previsibilidade sobre seus custos. E assim, chegou a fase 4 e mais atual.
Fase 4 – “the pure value era” (a era do valor puro)
Agora, com o avanço da tecnologia, as empresas estão confortáveis (e adaptadas) com os sistemas atuais de cobrança, pela sua previsibilidade e transparência. Muitas plataformas de SaaS conseguem trazer essa previsibilidade para os clientes, enquanto ainda cobram um valor justo pelo valor gerado.
Os sistemas de faturamento também evoluíram muito nos últimos anos, e estão extremamente ágeis para lidar com todo esse controle, com pouco trabalho.
Ou seja, finalmente mudamos de um mundo de receita mensal previsível para receita recorrente mensal.
De acordo com PC, estamos na melhor era para ter um SaaS. Todos os princípios se aplicam, e o modelo de SaaS chegou a uma boa equalização entre a aceitação cultural dos compradores e dos vendedores.
Em resumo:
Ao longo das quatro fases delineadas, é possível observar a evolução dos sistemas de faturamento. Inicialmente centrada na cobrança por usuário, a insuficiência dos sistemas foi superada com a introdução de software de medição de valor na Fase 2. Apesar da resistência dos clientes, a transição para cobranças baseadas no valor exato ocorreu. Na Fase 3, os clientes aceitaram faturas variáveis, equilibrando imprevisibilidade e necessidade de previsibilidade. A Fase 4 marca o ápice, com clientes e empresas alcançando um equilíbrio entre conforto, previsibilidade e transparência, abrindo caminho para um modelo de “receita mensal previsível”.
Mudança de valor com as novas AI
E agora com os novos modelos de precificação que a AI está trazendo, muitas Startups (principalmente as de AI) estão criando produtos utilizando o modelo pay-per-use que traz um peso enorme para o mercado do SaaS.
Os novos modelos de AI estão usando Tokens e, dessa forma, os empreendedores que estão construindo ferramentas em cima dessas AI que cobram por Tokens acabam tendo um desafio enorme de ou cobrar por uso (pay-per-use) ou descobrir um meio termo para cobrar uma mensalidade, sem que o cliente sinta-se prejudicado, tanto pelo valor quanto pela limitação de ações que podem ser feitas dentro daquele “pacote” (tier) de preço.
A pergunta que fica é: como usar um modelo que gere valor suficiente para que o cliente veja valor no pagamento de forma recorrente? Ou seja, de forma previsível e recorrente, mesmo que não se chame assinatura.
Na EUNERD, vendemos pay-per-use há 4 anos
Desde 2019, estamos vendendo um modelo chamado crédito. O cliente compra 10 chamados por R$ 2.500, e pode usar em até 60 dias. Esse serviço tem uma enorme recorrência dentro da nossa empresa e, de certa forma, consideramos até como um faturamento recorrente mensal, considerando a recorrência dos serviços. Contudo, nossos clientes não precisam assinar contratos longos de compromisso ou multas em caso de cancelamento.
Esse produto de entrada nos permite vender produtos de ticket maior, que servem, de certa forma, como uma porta de entrada para as empresas conhecerem nossos serviços sem comprometimento (vendemos para B2B, empresas médias e grandes).
No MGM, pagamos no pay-per-use mas vendemos como assinatura
No Micro-SaaS MyGoupMetrics (MGM), nosso custo é variável, porque, para resumir as mensagens dos grupos de Whatsapp, precisamos pegar todas as mensagens enviadas nos grupos, colocar em um banco de dados e resumir essas mensagens.
Se o grupo teve 100 mensagens em um dia e 1.000 no outro, nosso custo variou, mas a cobrança para o cliente não. Então, como manter o custo e a cobrança previsível se toda a estrutura é variável? Eis o novo desafio que estamos encarando nessa nova era de AI.
Métrica de valor
De acordo com PC, uma das principais métricas que todo empreendedor deve descobrir para saber como precificar seu Micro-SaaS ou SaaS é a Value Metric, ou seja, a métrica de valor.
Ao descobrir essa métrica, é possível entender exatamente como cobrar, e se essa cobrança pode ser recorrente.
No MGM, demoramos 6 meses para descobrir essa resposta. Não vou me aprofundar muito no tema para não fugir do assunto, mas, você pode aprender a fazer isso com poucas aulas da minha Comunidade Privada ou ver um pouco do passo a passo aqui.
Então, por que o mercado está saturado?
Se estamos em um momento de Puro Valor, por que os americanos estão cada vez mais falando que o modelo de subscription está deixando de funcionar?
Na minha humilde opinião, o mercado está longe de uma saturação. O que está acontecendo é que estão surgindo tantos novos negócios, principalmente negócios nichados, que estão forçando as empresas a se adaptarem.
Entendo também que o mercado brasileiro está somente no início da revolução tecnológica, e há muito espaço para construir e crescer SaaS, e principalmente Micro-SaaS de nicho.
O caminho ideal é você ter um modelo de cobrança alinhado exatamente ao perfil do mercado consumidor.
Ao olharmos para o âmbito do Brasil, ou LATAM, no geral, estamos muito longe de uma saturação de cobranças recorrentes. Entretanto, como eu disse lá em cima, tudo dependente meramente do mercado consumidor.
Se o mercado muda, as empresas mudam para se adaptarem, e isso significa matar o que está funcionando em prol da evolução. Vimos isso na pandemia, recentemente, então, nada é certo além do fato de que os empreendedores precisam buscar constantemente novas formas de monetizar seus negócios, seja através de novos produtos ou da expansão de receita.
O mais importante é sempre estar gerando valor para seus clientes, e o resto vai naturalmente acontecendo. E quanto mais nichada for sua solução e mais clara for sua proposta de valor, maior será sua chance de sucesso.