O propósito de empreender
Agosto foi um mês turbulento na EUNERD
No dia 4 de setembro de 2023, meu sócio me ligou às 14h dizendo que estava indo para o hospital porque estava com crise de ansiedade.
Nossa empresa estava com um furo no fluxo de caixa de mais de meio milhão de reais, e no dia 5 de setembro (em menos de 24h) precisávamos pagar nosso time e algumas outras contas importantes que somavam mais de R$ 300 mil.
Um empréstimo de emergência havia sido aprovado pelo banco, tendo sido negociado por dias. Contudo, no ato da assinatura foi removido, e o banco recuou com a proposta.
Seria impossível levantar esse montante em menos de 24 horas. Nossas opções eram limitadas.
Antes de eu contar o que aconteceu, vou compartilhar com vocês uma lição que eu tirei dessa crise. No final do artigo, eu conto como salvamos o negócio.
O empreendedor e o propósito
Quando se decide empreender, ser dono do próprio destino, estamos fadados a passar por situações difíceis, e todas aquelas aulas, livros, cursos que fazemos não nos preparam para essas situações difíceis da vida real.
Quem fala muito sobre essas situações difíceis e dá sugestões de como lidar com elas é Ben Horowitz, da 16z. Ele é um dos maiores nomes do Vale do Silício e do cenário de tecnologia, e também autor do famoso livro The hard thing about hard things, ou, em português, O lado difícil das situações difíceis: Como construir um negócio quando não existem respostas pronta.
Bíblia dos empreendedores de tecnologia.
Para Ben, empreender é extremamente desafiador, sendo constantemente necessário tomar decisões difíceis, às vezes impopulares. Além disso, fala que o empreendedor precisa estar pronto, frequentemente, para enfrentar crises.
Como um empreendedor consegue sobreviver tanta porrada depois de tantos anos?
Na minha opinião, é por causa do seu propósito.
As diferentes perspectivas do propósito
Daniel Pink, autor do livro Drive: The surprising truth about what motivate us (Direção: A surpreendente verdade sobre o que nos motiva), explica que existem 3 grandes fatores que motivam as pessoas.
Palestra no Ted Talk sobre motivação.
- Autonomia: As pessoas encontram motivação no que fazer e como fazer. Um exemplo disso é o trabalho remoto na época da pandemia, em que as pessoas tinham mais autonomia e podiam trabalhar em qualquer lugar do mundo. As discussões não eram mais sobre como seria feito, mas o que deveria ser feito.
- Domínio/desenvolvimento: Todos querem uma oportunidade para ser bom no que fazem, além de quererem estar próximos de pessoas boas.
- Propósito: Todos querem fazer parte de algo maior que eles mesmos. Um exemplo famoso é de 1962, quando o então Presidente Kennedy, dos Estados Unidos, perguntou para um zelador o que ele fazia na NASA, e ele respondeu:
“I’m helping put a man on the moon”
”Estou ajudando a por um homem na lua”.
Simon Sinek (um dos meus autores favoritos por sinal), escritor de vários livros sobre liderança, mas conhecido, principalmente, pelo Golden Circle, busca entender por que existem pessoas que se identificam tanto com uma companhia, a ponto de se tornarem defensoras dessa marca com unhas e dentes.
Para Simon, a resposta dessa busca fez nascer o conceito do Golden Circle, em que as empresas devem começar com o Why (Por que?). O Por que? faz com que as companhias tenham um objetivo, uma visão para defender, mesmo que isso afete suas vendas ou lucros.
Quem faz isso muito bem é a Apple, com sua campanha “Think different” (pense diferente), que cria uma legião de pessoas que se identificam com a marca, que se identificam como criadores independentes, criativos, inovadores e artistas em suas categorias, como desenvolvedor de software.
Para Simon, o propósito, independente de sua forma, seja através de fanatismo ou lealdade, é o que move as pessoas e as empresas. A sua conclusão não é diferente da de Daniel Pink.
Jason Cohen, uma das referências do mundo de SaaS (montou 2 unicórnios – empresas avaliadas em +$ 1B, sendo uma bootstrapped e outra com VC), também traz uma abordagem a respeito deste tema, depois de 2 décadas empreendendo sobre propósito.
Jason acredita que o propósito está interligado diretamente à felicidade.
Um exemplo que ele cita em seus artigos é o de um fundador de uma Startup que acorda, seis anos depois de fundar sua empresa, percebendo que foi levado sorrateiramente a um ponto de ebulição, esgotado, temendo cada dia, bebendo demais “para desligar o cérebro e dormir”. Na verdade, isso acontece porque ele está profundamente infeliz.
Todas as manhãs nos últimos meses, meu primeiro pensamento foi “Como seria hoje se eu não trabalhasse aqui?” Eu divago explorando como seria trabalhar no WalMart, ou no canteiro de obras do lado de fora, ou como empacotador em um supermercado. Parece tão sem estresse. Esta manhã, tranquei-me no banheiro com o chuveiro ligado (não quero que a esposa saiba) e chorei sem parar. Não chorei há muitos anos. Foi ótimo, mas apenas por uma hora.
O framework que Jason desenvolveu para evitar o burn out na construção das suas empresas multi-bilionárias foi o seguinte:
- Felicidade: Você ama o que faz. Faz o dia inteiro que até esquece de comer ou ir no banheiro;
- Habilidade: Você não somente é bom no que faz, como tem orgulho do seu trabalho, e as pessoas te reconhecem por isso. Seu talento é “nato”;
- Necessidade: A companhia precisa que alguém faça esse trabalho que você faz.
Ele diz que se você tem apenas felicidade + habilidade, não é produtivo. Você não está contribuindo para o que a companhia precisa, e ninguém vai te contar isso. É o clássico exemplo do empreendedor que gosta de “codar” em vez de vender.
Já felicidade + necessidade é quando você quer aprender algo novo, e a companhia precisa que alguém faça isso. O que um profissional faria em um mês, você demora 3 meses para aprender, porque era importante. Se não der certo, no fim, você perdeu 3 meses e se desmotivou, tendo que ir buscar alguém para fazer aquilo para você.
E, por fim, ele diz que habilidade + necessidade é o clássico caminho do burn out. Você se sente mais exausto do que energizado no fim do dia (diferente de habilidade + felicidade). Você faz o trabalho porque é excelente e a companhia precisa de você, até chegar ao ponto em que você não aguenta mais fazer aquilo.
Framework do propósito de Jason Cohen. Felicidade, habilidade e necessidade.
As conexões que movem a vida
Eu demorei muitos anos para encontrar o que eu sou bom em fazer e o que me faz feliz. Minha inspiração sempre foi o Ikigai, mas, é difícil, antes dos 30, você ter clareza do que ama, ou qual sua vocação.
Quando você decide construir uma empresa, todos os dias sua profissão muda. Um dia administrador, outro dia líder de operação, e outro dia product owner… são muitas funções diferentes que você precisa exercer para construir sua empresa, já que não tem dinheiro para contratar pessoas para fazer tudo.
No fim do dia, as únicas coisa que nunca mudaram para mim, no decorrer de uma década empreendendo, foram minha paixão por empreender (e construir um negócio de alto impacto) e minha missão de fomentar o empreendedorismo, ajudando outros empreendedores com o que eu puder.
As crises às quais a vida levava a EUNERD faziam eu testar todos os meus valores. Não foram poucas as vezes em que me imaginei jogando a toalha, porque as vezes era difícil encontrar energia ou motivação.
Essa paixão e missão por continuar seguindo em frente por algo que eu acredito é muito maior do que meus interesses pessoais e financeiros. É meu propósito de construir algo maior.
Há 10 anos atrás, eu assisti uma palestra que mudou minha forma de enxergar o mundo e que provavelmente foi responsável por me ajudar a entender o conceito de propósito. A palestra se chama As conexões que movem a vida, do Marcelo Sales.
O Marcelo faz parte da Endeavor, que é a maior ONG de empreendedorismo do mundo. Quando assisti sua palestra e entendi o propósito da Endeavor, ficou claro para mim o que eu queria fazer pelo resto da minha vida: me tornar um empreendedor de impacto e ajudar outros empreendedores.
A inspiração é temporal e o propósito é atemporal
Hoje, aos 35 anos, eu tenho um pouco mais de clareza de qual é minha paixão, no que eu sou bom, e o que as pessoas/empresas esperam de mim.
O negócio de empreender é foda. Um dia você está no topo da sua carreira, e no outro dia você está lidando com uma crise e envelhecendo 10 anos em 1 semana.
Você já parou para pensar o que te faz sair da cama todos os dias para empreender?
Uma das lições que tirei nessa década de construção é que a inspiração é temporária. Às vezes, somos inspirados por pessoas, por ídolos, por eventos, por algo que nos toca profundamente e nos motiva a ser uma pessoa melhor.
Mas, a inspiração é temporal, ou seja, ela muda com o tempo, porque nossa visão de mundo também muda. Já o propósito não.
Meu propósito sempre foi o mesmo – desde 2017 eu dou mentoria para empreendedores. Já participei de +400 lançamentos de Startups desde então, aprendendo com cada uma delas. Essa ajuda sem esperar nada em troca é o que me inspira e alimenta meu propósito.
Hoje, eu posso fazer isso em uma escala muito maior – enquanto construo o ecossistema de Micro-SaaS -, montando uma cultura de valores com meus conteúdos e na comunidade, a fim de inspirar e guiar milhares de empreendedores na jornada de construir o primeiro Micro-SaaS.
O meu propósito é a inspiração de muitos de vocês, e eu sou muito grato por ter essa oportunidade. Então, a reflexão que eu quero deixar para vocês é que encontrem seu propósito antes de começar a carreira de empreendedor.
O propósito vai ser sua bússola quando você estiver passando pelas piores tempestades de sua jornada. Ele vai te fazer olhar para frente enquanto todos acham que você está errado. Ele é o que vai fazer com que você saia da cama todos os dias quando não tiver mais energia para levantar.
Então, não esqueça de que, ao construir um Micro-SaaS, você está dando um passo para ser o próprio dono do seu Ikigai. E, nessa longa jornada de construção, um dos pilares que vai te guiar como ser humano e como empreendedor será sua visão – sua paixão alinhada a um propósito.
Seu propósito é sua maior arma como empreendedor.
No dia 5 de setembro
- No dia dos pagamentos, meu sócio teve a ideia de usar uma cláusula disposta no acordo de acionistas que permitia que os sócios pudessem liquidar até 15% de suas ações sem precisar de aprovação do conselho.
- Baixamos o valor de nossas ações de forma generosa (apenas dos sócios), e ofertamos para alguns clientes estratégicos da base, comentando o senso de urgência.
- Um cliente estratégico se interessou pela oportunidade. Fechamos com ele em algumas horas.
- Em paralelo, conseguimos fazer uma chamada de capital com nossos acionistas (cerca de 25 pessoas), e levantando mais um pouco de capital.
- Outro cliente, também acionista da companhia, fez um adiantamento de fornecedor. Sem pegar equity em troca.
Essa “montanha russa” aconteceu por cerca de 15 dias, quando todos os nossos planos (planos A, B, C e D) deram errado. Porque empreender é assim.
Uma rodada de investimento que não aconteceu, um aporte que não foi concluído, um faturamento grande que atrasou, e outros fatores, que levaram a uma queda instantânea de caixa.
No fim das contas, o que nos faz sair à luta, mesmo quando tudo parece estar dando errado, é algo muito maior do que nós mesmos.
Se você está começando a empreender com seu primeiro Micro-SaaS, reflita nos próximos meses sobre o que te faz sair da cama todos os dias para enfrentar as tempestades de construir uma empresa. Essa resposta, junto com seus sonhos e ambições, é o que vai te diferenciar no longo prazo.